SERRA PELADA: MP INVESTIGA PAGAMENTO MILIONÁRIO A GARIMPEIROS LIGADOS AO MINISTRO EDSON LOBÃO
Revista Época
Investigação apura o destino de R$ 50 milhões repassados por mineradora canadense a uma cooperativa de Imperatriz (MA) pela exploração de Serra Pelada.
Quem recebeu os R$ 50 milhões? Certamente os beneficiários não estão
na sede da cooperativa em Imperatriz, conhecida como “casa do
garimpeiro”. No escritório, há até máquina de escrever. Na manhã de
terça da semana passada, havia cerca de 20 garimpeiros na casa, todos
senhores, jogando dominó e batendo papo sob a sombra das árvores. Todos
reclamavam da vida que tiveram no garimpo. Nenhum deles confirmou ter
recebido dinheiro dos canadenses nem de nenhum santo padroeiro. (Fotos: Rosana Barros/Imperatriz/ÉPOCA) Fonte+ Revista Época)
Investigação apura o destino de R$ 50 milhões repassados por mineradora canadense a uma cooperativa de Imperatriz (MA) pela exploração de Serra Pelada.
Gessé Simão de Melo (à esq.) com Edison Lobão. Com o apoio de um assessor do ministro, ele se tornou presidente da cooperativa de garimpeiros (Foto: Reprodução) |
A dona de casa Antônia Alves de Oliveira, de 58 anos, leva uma vida
tranquila em Imperatriz, a segunda maior cidade do Maranhão – e, no mapa
político do Brasil, capitania de Edison Lobão, do PMDB, ministro de
Minas e Energia. Antônia gasta os dias cuidando do pequeno jardim de sua
casa, no modesto bairro Parque Alvorada. Interrompeu os afazeres
domésticos para receber ÉPOCA na tarde da última segunda-feira, sob um
úmido calor de 33 graus. Não havia ar-condicionado. Ela ofereceu água
gelada, servida em copos de alumínio. Contou a história de sua família. É
uma história que, como muitas outras em Imperatriz, se confunde com a
aventura do garimpo de Serra Pelada, no sul do Pará. Na década de 1980,
ele chegou a ser o maior do mundo.
Imperatriz fica relativamente perto
de Serra Pelada, e a oportunidade de fazer dinheiro levou muitos pais de
família ao sul do Pará. Além do ex-marido de Antônia, seus três irmãos
foram garimpeiros. Um deles, Davi Alves Silva, aliado de Lobão no PFL,
antigo partido do ministro, se elegeu deputado estadual, deputado
federal e prefeito de Imperatriz, quando Lobão era governador do
Maranhão, em 1990. Davi foi assassinado em 1992, ano em que o governo
federal resolveu pôr fim ao garimpo em Serra Pelada – ao menos com as
mãos, não era mais possível achar ouro. A partir dali, apenas com alta
tecnologia. “Serra Pelada deu muita chateação, mas ainda tem muito ouro
lá”, diz Antônia. Se, para a maioria dos garimpeiros, o ouro acabou,
para alguns poucos, como Antônia, o ouro continua brotando da terra,
como que por milagre.
O santo se chama Edison Lobão, padroeiro dos garimpeiros de Serra
Pelada. Ele afirma, em discursos e campanhas, ser o político que mais
lutou em Brasília pelos direitos dos garimpeiros. “Olhando o sofrimento
desses brasileiros – 70% dos quais maranhenses –, recordo-me do que foi
também o sofrimento dos judeus, retirados do Egito por Moisés, que
durante 40 anos peregrinaram pelo deserto, em busca de um lugar onde
ficar”, afirmou Lobão na tribuna do Senado em 2010. “Não é diferente,
salvo quanto ao tempo, o que ocorre com os garimpeiros. Esses homens
foram para Serra Pelada, descobriram ouro; extraíram-no e o entregaram,
por algum pagamento, ao governo federal; ajudaram o governo federal a
fazer seu lastro com ouro, ativo financeiro de grande valor, e, hoje,
expulsos da Serra Pelada, em nome de direitos da Companhia Vale do Rio
Doce, estão sem saber o que fazer da vida.” Se a história de Imperatriz
passa por Serra Pelada, a história de Serra Pelada passa por Lobão.
Foi por influência dele que, em 2007, o governo convenceu a Vale a
abdicar do tesouro ainda existente em Serra Pelada. Estima-se que o ouro
remanescente valha, por baixo, R$ 3 bilhões. Por apenas US$ 59 milhões,
a Vale aceitou transmitir a uma cooperativa de antigos garimpeiros os
direitos de exploração mecanizada da área. Antônia e outros garimpeiros
tomaram o controle da cooperativa. Com o aval do Ministério de Minas e
Energia, já ocupado pelo PMDB, tornaram-se sócios da empresa de
mineração canadense Colossus. Em 2010, com Lobão no ministério, a
Colossus aumentou sua participação no consórcio com os garimpeiros de
51% para 75%. O que rendeu aos garimpeiros – especialmente a partir
2010, ano em que Lobão venceu mais uma eleição ao Senado – a quantia de
R$ 50 milhões, segundo a própria Colossus.
De acordo com o Ministério Público, a dona de casa Antônia recebeu
dos canadenses, em sua conta pessoal no Banco do Brasil, R$ 19,2
milhões, entre janeiro de 2010 e março de 2011. Um rastreamento do
Conselho de Controle das Atividades Financeiras, o Coaf, que investiga
casos de lavagem de dinheiro, revelou que 65% desse total foi sacado na
boca do caixa. Alguns dos saques foram superiores a R$ 100 mil. Antônia
era tesoureira da cooperativa. Como o dinheiro foi sacado, os
investigadores não conseguiram descobrir os beneficiários finais da
fortuna. O que Antônia fez com tantos milhões? Claramente, o dinheiro
não foi investido em seu jardim, embora ela tenha também uma casinha na
Vila Lobão, bairro batizado em homenagem ao padroeiro. “Não ficava nada
comigo. Podem abrir minhas contas no banco. Se entrasse o dinheiro às 11
horas, às 17 horas não tinha mais nada. Tinha uma lista de pagamentos
para fazer”, afirma Antônia. Ela não conta para quem passava o dinheiro.
No máximo, diz que fazia “pagamento de despesas administrativas” da
cooperativa.
DINHEIRO VIVO - Antônia Alves de Oliveira e trechos do relatório da investigação do Ministério Público. Ela fez saques na boca do caixa em valores superiores a R$ 100 mil |
Antônia é amiga do garimpeiro Gesse Simão de Melo, o entusiasmado
senhor que aparece no palanque da foto acima, junto a Lobão. Gesse era
presidente da cooperativa, quando Antônia era tesoureira. Para chegar ao
comando da cooperativa, os dois receberam a ajuda do radialista Antônio
Carvalho Duarte, ex-assessor de Lobão no Senado Federal. Hoje Antônio
comanda outra associação de garimpeiros. Foi Gesse quem assinou parte
dos contratos com a Colossus. Segundo o Coaf, ele recebeu R$ 344 mil dos
canadenses, após o dinheiro passear pela conta de quem ele diz ser seu
assessor – um sujeito que ganhou R$ 890 mil da Colossus.
Essas operações
foram rastreadas entre março e junho de 2010. No dia 4 de maio daquele
ano, sob a supervisão do Ministério de Minas e Energia, a cooperativa,
representada por Gesse, fechara com a Colossus o acordo que aumentava
para 75% a participação dos canadenses no negócio. O acordo já estava
encaminhado dentro do ministério, àquela altura representado pelo
ministro interino, Márcio Zimmermann. Lobão deixara o ministério havia
pouco para se dedicar à campanha eleitoral – Gesse foi cabo eleitoral de
Lobão. O documento de 4 de maio é o que respalda até hoje a parceria
entre a Colossus e os garimpeiros. Depois dessa data, a Colossus ampliou
as milionárias transferências para as contas dos garimpeiros ligados a
Lobão.
Assim como Antônia, Gesse mora em Imperatriz. Recebeu ÉPOCA em sua
casa e negou que tenha se apropriado do dinheiro dos garimpeiros, ou que
tenha repassado esse dinheiro a terceiros. Disse que os recursos foram
usados para despesas com a realização de assembleias gerais convocadas
pela cooperativa. “Era gente de todo lugar que tinha de trazer para
Curionópolis (em Serra Pelada)”, afirmou. “É um povo sem recurso. E que
não podia ficar de fora dessas assembleias, eram decisões importantes
para o futuro do garimpo.” A conta bancária da cooperativa, segundo
Gesse, estava bloqueada por causa de dívidas questionadas na Justiça.
“Ou você recebia desse jeito ou parava a cooperativa.” Outros dois
garimpeiros que receberam dinheiro da Colossus, ambos funcionários
públicos do Estado do Maranhão, disseram que repassaram parte do
dinheiro, em espécie, ao advogado Jairo Leite, ex-funcionário do Senado
ligado a Lobão.
Tanto para o Ministério Público do Pará quanto para o Ministério
Público Federal, é ilegal a operação que permitiu aos canadenses tomar
conta de Serra Pelada. O promotor Hélio Rubens apresentou denúncia na
Justiça contra Gesse, Antônia e outros três garimpeiros ligados a Lobão.
Acusa-os de apropriação indébita de dinheiro, ocultação de valores
desviados e formação de quadrilha. O Ministério Público Federal tenta
cancelar o contrato com os canadenses.
Segundo os procuradores, o
contrato foi feito sob medida para a Colossus, e o aumento da
participação dos canadenses no consórcio foi fechado sem o aval da
maioria dos garimpeiros. Essa ação também tramita na Justiça. Em 2012,
diante dos fatos, a Justiça determinou o afastamento da turma do comando
da cooperativa. Os investigadores ainda tentam descobrir quem recebeu o
restante dos R$ 50 milhões. Procurado por ÉPOCA, o ministro Lobão
afirmou que conheceu Gesse como militante político em Imperatriz nos
anos 1980. Disse que conheceu Antônio Duarte na mesma época e confirmou
que ele trabalhou duas vezes em seu gabinete de senador, como assessor
de imprensa. Lobão afirma desconhecer o relatório do Coaf que apontou as
movimentações atípicas de Gesse e Antônia. Ele informou ainda que não
recebeu qualquer ajuda financeira da Colossus durante as eleições de
2010.
Cláudio Mancuso, CEO da Colossus, disse a ÉPOCA que os valores
transferidos à cooperativa estavam previstos no contrato firmado com os
garimpeiros para retomar a exploração mineral em Serra Pelada. Segundo
ele, cerca de R$ 50 milhões foram repassados à cooperativa desde o
início da parceria, incluindo a “compra de direitos minerários”, antes
pertencentes à cooperativa. “Fizemos as transferências para contas
indicadas pela cooperativa”, disse ele.