BBC Brasil
"Desempregada espanhola pede ajuda em rua de Pamplona"
A
crise econômica vem causando uma perigosa mudança social na Espanha,
empurrando de volta para a pobreza uma classe de pessoas que até então
vinha ascendendo economicamente.
Segundo o Instituto Nacional de
Estatística (INE), mais de um em cada cinco espanhóis - 21% da
população, ou cerca de 10 milhões de pessoas - era classificado como
pobre em julho, e analistas estimam que este índice chegue a 22% até o
fim do ano. Em 1991, era de 14%.
O governo espanhol considera
pobres os indivíduos com renda familiar abaixo de 570 euros mensais
(cerca de R$ 1.300). As famílias com renda inferior a 215 euros (cerca
de R$ 490) são consideradas na pobreza extrema.
Uma de cada quatro famílias não tem dinheiro o suficiente para saldar as dívidas no fim do mês.
A
pesquisa estatal sobre a população economicamente ativa indica que em
2009 havia 4% das famílias com todos os integrantes desempregados. No
primeiro trimestre de 2011, a taxa alcançou 11%.
Os serviços sociais estão sobrecarregados. Há quase 30 anos não havia tanta demanda.
Perfil
E
o que mais chama a atenção dos pesquisadores é o perfil da nova classe.
Os solicitantes de auxílio são geralmente trabalhadores entre 20 e 40
anos, alguns com formação profissional, que antes da crise tinham
imóveis e bons salários.
'Com a falta de ofertas de trabalho, eles
passaram a ser desempregados de longo prazo. Trata-se de uma crise que
está mudando a vida das pessoas de maneira radical', disse à BBC Brasil o
Secretário Geral da ONG Cáritas-Espanha, Sebastián Mora.
O
responsável pela área de assistência social da igreja Católica explicou
que nas décadas passadas a Cáritas ajudava indigentes, ciganos e
imigrantes sem família na Espanha. Agora, estas ajudas se dividem entre
imigrantes (60%) e espanhóis (40%) que até pouco tempo atrás pertenciam à
classe média.
'Tinham créditos bancários para pagar casas e
carros e não sobravam recursos para economizar. Hoje solicitam caridade
envergonhados. Jamais pensaram que passariam por isso', afirmou Mora.
Solicitação de ajuda
BBC Brasil
"Desempregados em fila para seguro desemprego em Madri"
O
relatório Observatório da Realidade Social, feito pela Cáritas, mostra
que os pedidos de ajuda mais que dobraram em quatro anos. De 950 mil
pessoas atendidas em 2010, 35% recorreram ao auxilio de caridade pela
primeira vez.
Segundo a instituição religiosa, estes novos pobres
usam quase tudo que obtêm através de ajudas do governo para pagar
aluguéis ou créditos bancários, o que não deixa o suficiente para
contas, comida e roupa.
As crianças são as principais vítimas
desta situação. Em novembro de 2010, a Unicef divulgou um relatório
sobre a pobreza infantil denunciando que um de cada quatro menores na
Espanha pertence a uma família cuja renda está 60% abaixo da média
nacional.
Este índice coloca a Espanha quase na lanterninha das
nações da União Europeia. No grupo dos 27 países do euro, apenas
Romênia, Bulgária, Letônia e Itália têm taxas inferiores.
O
Instituto Nacional de Estatística confirma os dados. No segundo
trimestre de 2011, quase 2 milhões de menores de idade (24,1% do total)
moravam em casas onde faltavam elementos básicos.
O governo
admitiu que terá que revisar o sistema de benefícios, porque as
contribuições estão sendo insuficientes, os recursos humanos estão
sobrecarregados e alguns problemas burocráticos atingem pessoas em
situação insustentável.
A fila é tão grande que o tempo de espera
para atendimento em uma seção de assistência social pública é de 65
dias. Em instituições de caridade, como a Cáritas, o prazo cai para uma
semana.
Falsa classe média
As estatísticas da Espanha atual
contrastam com a de um país que até seis anos atrás criava 500 mil
empregos por ano e que, em uma década de prosperidade, importou 5
milhões de imigrantes.
'A verdade é que vivíamos uma bonança que
não correspondia à economia real', disse à BBC Brasil o professor de
Economia Aplicada da Universidade Complutense de Madri Ignácio Alvarez.
'Não
era lógico que as empreiteiras espanholas produzissem mais do que Reino
Unido, Alemanha e França juntos a cada ano. Quando estourou a bolha da
construção, percebeu-se como os valores de certos ativos, como imóveis,
estavam inflados. Agora o caminho é reinventar o modelo produtivo.'
Segundo o Barômetro Social Nacional, com o boom do setor da construção o PIB da Espanha cresceu mais de 60% nos últimos 15 anos.
Entre 1994 e 2007 os imóveis se valorizaram 175% e os valores de ações e ativos financeiros subiram 130%.
A
socióloga Violante Martínez, professora da Universidade à Distância
(Uned), avalia que quem se beneficiou muito dessa bonança também entrou
em queda livre com ela.
'Trabalhadores que antes da crise tinham
um status econômico acima do seu nível de formação ascenderam
bruscamente. Agora seus negócios quebraram e eles estão endividados',
afirmou.
'Mas são pobres transitórios. Terão que reconduzir sua economia e viver em outra realidade, mas certamente sairão deste baque.'
BBC Brasil - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito da BBC.