Heróis anônimos evitaram tragédia maior em Xerém
Com lanterna, gritos e batendo de porta em porta, família acorda vizinhos e salva todos
POR Felipe Freire
Rio -
Com lanternas em punho e gritos desesperados, Asuelyr dos Santos passou
a madrugada de quinta-feira no terraço de casa. Ela tentava alertar
vizinhos para o transbordamento repentino do Rio Capivari, em Xerém,
Duque de Caxias.
Assim como centenas de anônimos de Cristóvão, Mantiqueira, Café Torrado e Ponto Final, localidades mais devastadas, a dona de casa
foi uma das heroínas que salvaram inúmeras vidas com gestos simples e
que continuam dividindo o pouco que restou com quem perdeu tudo na
tragédia.
“Na hora, só pensava em quem estava dormindo. Meu marido e filho foram
para a rua e daqui tentei acordar as pessoas com lanternas e berros.
Agora, estamos todos dormindo no terraço com a vizinha da frente, já que
sua casa ficou debaixo d’água”, contou Asuelyr, com o rio ainda agitado ao fundo.
Cabeça d’água destruiu ponte dividindo o bairro Mantiqueira em duas partes | Foto: Severino Silva / Agência O Dia
Para se ter uma ideia do avanço das águas, antes o Capivari ficava a 60
metros de sua residência, na Avenida Venâncio, e hoje o leito está a
pouco menos de cinco metros do portão.
Mesmo com tratores e caminhões auxiliando na retirada de escombros,
entulho, lixo e lama das ruas, são os mutirões que vêm fazendo a
diferença em Xerém. Através da força de vizinhos e parentes, algumas
pessoas vão limpando as casas, fazendo a mudança do que restou ou
buscando objetos pessoais.
scavadeira utilizada na retirada dos escombros iça um dos automóveis
arrastados pela enxurrada | Foto: Severino Silva / Agência O Dia
“Queria pelo menos a geladeira e por isso chamei vizinhos e parentes.
Mas é até maluquice diante da caixa de areia em que tudo se
transformou”, lamentou Tereza da Silveira, 64. “Vou para bem longe do
Rio”, completou Vitória Matias, 38.
Em todo o distrito de Xerém, pelo menos 250 casas foram danificadas ou
destruídas por completo, mil pessoas estão desalojadas e outras 276,
desabrigadas.
Corpo reconhecido e homem sumido
O corpo encontrado na quinta-feira em Xerém foi identificado por
conhecidos como de Luiz Carlos da Silva, 63 anos. Segundo a Defesa Civil
de Caxias, ele é funcionário aposentado do Inmetro e estava em casa na
hora chuva, à beira do Capivari.
Segundo levantamento informal, outras oito pessoas estariam
desaparecidas, sendo cinco da mesma família. Mas a prefeitura trabalha
apenas com o sumiço de Enéas Paes Leme, 55, funcionário da represa da
Cedae que estava no alto do morro.
Retroescavadeira utilizada na retirada dos escombros iça um dos
automóveis arrastados pela enxurrada | Foto: Severino Silva / Agência O
Dia
“Ele levou a janta e não voltou mais. Temos que ter fé para que ele
tenha se abrigado e esteja vivo”, disse a esposa, Elizabeth Ferreira,
55. Parentes e amigos auxiliam nas buscas por Enéas, que manobrava água
na represa.
Moradores ainda em área de risco
Com medo de saques e sem ter para onde ir, muitos permanecem em casas
afetadas pelas águas, à beira do Capivari. “Não dormi. O pavor de
enchente é grande e a todo instante pessoas gritavam que novas
enxurradas vinham”, lembrou Lívia Machado, 21, que teme o futuro: “As
vigas embaixo d’água balançam quando passam troncos de árvores”.